sábado, 29 de março de 2008

Berserk

“Aquele que segue a alguém, não segue a ninguém, ele nada encontra, porque, na verdade, nada busca”.
(Montaigne - Ensaios)


Podemos encontrar nas palavras de Montaigne a premissa de Berserk, anime[1] baseado no mangá[2] homônimo de Kentaro Miura. A série de 25 capítulos faz apenas um recorte da estória que continua a ser publicada nos quadrinhos monocromáticos japoneses, lidos por aqui em ordem inversa[3].
A série foi exibida pela primeira vez em 1997, década na qual os animes evoluíram bastante em vários aspectos, Evangelion e Cowboy Bebop são ótimos exemplos disso.
Com um roteiro interessante e ambientação medieval, Berserk nos apresenta já no primeiro episódio informações valiosas para a compreensão de toda a série, que será apresentada em flashback nos episódios seguintes.
No centro da narrativa encontram-se três personagens: Gatts, um homem perturbado por suas lembranças, que tenta através de sua gigantesca espada exorcizar todo o mal proveniente de suas escolhas, ou na maioria das vezes, a falta delas. Seu caminho se cruza com o de Griffith, espécie de Talented Mr. Ripley em pleno medievo. Rapaz de rara beleza, que esconde assim como Dorian Gray um passado completamente amoral. Representa o Homem na busca da realização de seu sonho, custe o que custar. É exímio com a espada, e consegue se sobressair da maioria das situações de forma espetacular. Seu codinome poderia ser perfeitamente “ambição”. Entre eles está Caska, que vive sob a sombra gerada pelas asas do sonhador Griffith e seu Bando do Falcão.
Ela é entre os guerreiros do grupo a mais forte. Seus almejos serão perturbados pela inesperada entrada de Gatts. O calor que emana desse trio aquecerá toda a série. Não há economia nas imagens com sangue jorrando, banhando corpos e espadas, servindo alegoricamente como “argamassa e tijolo” para a construção da escada que levará Griffith ao designo almejado.
Somente Gatts poderá colocar em risco o ousado projeto. Gatts é o avesso de Griffith e os contrastes entre ambos acabam sugerindo um enlace, numa busca insana por se completarem.
Ao dominar completamente alguém com tanto poder e tantas diferenças, o líder do grupo falcão parece encontrar algo que foi deixado no caminho que seguiu guiado pelo seu insano sonho. Esse sentimento é tão intenso e primal, que contagiará todos os membros do grupo, e em seguida Caska, que se vê inicialmente ameaçada pelo fascínio que o tal guerreiro misterioso exerce sobre o homem que ela mais admira.
Por ser totalmente desprovido de moral, manipulador, oportunista e exercer fascinante mistério, Griffith manterá Gatts (num primeiro momento) sob seu total domínio.
A espada é o símbolo do estado militar e de sua virtude, a bravura, bem como de sua função, o poderio. O poderio tem um duplo aspecto: o destruidor, embora essa destruição possa aplicar-se contra a injustiça, a maleficência e a ignorância e, por causa disso, tornar-se positiva; e o construtor, pois estabelece e mantém a paz e a justiça, sendo força e poder, entre outros sentimentos que costumam emular prazer, manifestação mais pura de nossos instintos primais.
Há ainda o exercício da força sem a razão. Imposição sem condução. Domínio sem conciliação. Poder sem fraternidade. O tinir de ferros sem filosofia.
Gatts é a materialização disso. Corpulento e cheio de cicatrizes de suas batalhas, tanto internas quanto externas. Rude e arredio manipula com destreza sua grande espada – pesada e incrivelmente sedenta. O Ripley medieval é o perfeito oposto disso. Ele é esguio, possuidor de beleza pálida, pele fina e delicada compondo uma figura andrógina. Maneja uma espada leve e é paciente com o grupo, além de ser demagogo. Seus interesses são claros, no que se referem todas as coisas que andem de mãos dadas a conjurar com o signo sob o qual está o poder, custe o que custar. Seu destino estará para sempre entrelaçado ao de Gatts após um certo eclipse... Depois dos primeiros episódios a série adquire fluxo sangüíneo, em todos os sentidos. Imperdível.

Obrigado Leo!



[1] Costuma-se chamar de Anime, desenhos animados de produção japonesa, muito popular em vários países, inclusive no Brasil. Um dos primeiros sucessos em anime, " Astro Boy" está sendo atualmente publicado em mangá por aqui.
[2] É o gibi japonês. São vendidos aos milhares, sempre em papel jornal.
[3] Isso mesmo. - Hei! Não comece pelo final, os editores advertem no que seria a primeira página das histórias em quadrinhos no resto do mundo.

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