quinta-feira, 24 de junho de 2010

Confabulando o fabular, Vol.4

Dobradinha no vol. 4 do confabulando o fabular.
Atendendo a pedidos, eis uma fábula de La Fontaine (falo sobre ele no próximo confabulando o fabular), inspirada em uma fábula atribuída a Esopo.

A Cobra e a Lima

Conta-se que uma cobra vivia próxima de uma joalheria.
Certa vez, morta de fome, entrou ali, procurando restos de comida, nada achando, põe-se a roer desesperadamente uma lima.
A lima então lhe diz: -que pretendes, infeliz?
Não vez que sou feita de aço?
E que assim, sem mesmo me prejudicar, você estará prejudicando a si mesma?
Percebe que logo não terá dentes para usar, e eu continuarei assim a mesma?...

Essa fábula foi nitidamente inspirada pela narrativa a seguir, atribuída a Esopo que mostra a disputa entre uma lima e uma burrin... ops! doninha:

A Lima e a Doninha*

Uma doninha entrara no ateliê de um ferreiro
e se pôs a lamber uma lima que estava no chão.
Sua língua começou a sangrar abundantemente.
Ela não se deu por vencida, achando que era o ferro que estava sendo comido.
Quando se deu conta, estava sem a língua.
Quem gosta de um contenda trabalha pela própria desgraça.


Faroleando o fabular:
Observem a doninha acima, essa foto foi tirada alguns momentos antes do encontro fatídico.
"-Essa é da bôua!!!"

Foi o que alguns ouviram a danadinha dizer...

Referências:
*Tradução de Antônio Carlos Viana
http://lorenamossa.blogspot.com/2009/08/fabula-de-la-fontaine-cobra-e-lima.html
http://sitededicas.uol.com.br/gifs/novos_gifs/serpente_e_a_lima.gif

1001 momentos das 1001 noites - vol. II

Do silêncio.

Belíssimo momento da 74ª noite das histórias das mil e uma noites.
Um pai moribundo recomenda ao filho:

Observe o silêncio, desvie os olhos dos defeitos alheios
e contenha a sua língua, pois já se dizia:
'quem observa o silêncio se salva'*
Também ouvi o poeta dizer:

'Mudez é adorno e silêncio é segurança;
se acaso falares, não sejas linguarudo, pois,

ainda que alguma vez te arrependas de tua mudez,
de teres falado sempre te arrependerás'.


Tradução de
Mamede Mustafa Jarouche
*provérbio popular

A imagem abaixo está hospedada no site Art, Poetry & Pen de Nora Corner


terça-feira, 22 de junho de 2010

Trabalhando a "Resenha Crítica" - Umberto D.

Foi durante o estágio que tive vontade de voltar aqui para o Farol. Depois de ler algumas das resenhas críticas que haviam sido tema de algumas de minhas aulas, no módulo de produção textual, fiquei animado para retornar publicando pelo menos uma daquelas que se destacaram. Finalmente estou cumprindo a promessa. "Pelas Caridade"\o/

IEP
Aluna: Auricléia N. da Siva

Nº: 05
Turma: 3º TC
Disciplina: Língua Portuguesa

Resenha crítica do filme Umberto D.

Umberto D é um filme que se passa na Itália dos anos 50. Conta a estória de um senhor aposentado que tem como melhor amigo seu cachorro Flike. O filme gira em torno da solidão, anseios e frustrações pelos quais passam os idosos ao se aposentarem. Umberto mora numa pensão com o seu cachorro, mas ultimamente andou atrasando o aluguel e a dona do lugar está tentando despachá-lo. Maria, a empregada da pensão, vive ajudando o seu Umberto. Ela está grávida, mas não sabe quem é o pai da criança. A moça considera-o como um pai, cultivando um grande carinho por ele.

Esse drama que retrata muito bem as limitações e o desamparo que atinge muitos idosos, nos traz uma visão muito realista da solidão e do abandono causados pela família e pela sociedade. Apesar de todas as dificuldades, Umberto não vai desistir tão facilmente e vai usar todos os recursos disponíveis para sobreviver. Mesmo com baixo custo de produção e usando alguns atores que não eram profissionais, este ótimo filme consegue segurar seus telespectadores, fazendo-os acompanhar atentamente todas as aventuras de Umberto e seu cachorro.

Parabéns Auricléia, obrigado pela ajuda e atenção durante as aulas e pela ótima recepção.
@br@ço!

sábado, 19 de junho de 2010

Adeus Saramago

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais."


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Confabulando o fabular, Vol.3

Conforme escrito no último Confabulando o Fabular, as fábulas de Fedro que havia encontrado eram idênticas as que são atribuídas a Esopo. De fato, Fedro além de fixar essas fábulas (passar da tradição oral para a forma escrita) foi responsável por lapidá-las estilisticamente.
Assim como Esopo, Caio Júlio Fedro foi um escravo alforriado, mas seus dados biográficos são bem mais acessíveis que os de Esopo, possuindo diversos registros. Consultando nosso oráculo moderno, o Google, encontrei bastante informação. Com bom senso, a rede se torna uma aliada imprescindível, e selecionando as fontes mais interessantes, que geralmente estão presentes em sites de universidades e professores, além de artigos publicados, a pesquisa ganha em qualidade.
No site do professor Márcio Luiz Moitinha Ribeiro (UERJ) há três dessas fábulas de Fedro. Escolhi obviamente a que narra a Raposa e as Uvas. Além da versão original em latim, há uma apreciação bastante completa das fábulas selecionadas pelo professor no site onde seu artigo foi publicado.

Versão em Latim:

De Vulpe Et Vua


Fame coacta uulpes alta in uinea
Uuam adpetebat summis saliens uiribus;quam tangere ut non potuit, discedens ait:
“nondum matura est; nolo acerbam sumere”.
Qui, facere quae non possunt, uerbis eleuant,
adscribere hoc debebunt exemplum sibi.

Tradução:

A Raposa e a Uva

Coagida (impelida) pela fome, a raposa cobiçava o cacho de uva
na alta parreira, pulando com todas as forças;
como não pôde tocá-la, disse, afastando-se:
“Ainda não está madura: não quero apanhá(-la) verde (azeda)”
(Os) que diminuem com palavras, (as coisas) que não podem fazer, deverão aplicar para si este exemplo.

Tradução da versão atribuída a Esopo*:

A Raposa e as Uvas

Um raposa estava com muita fome
e viu uma cacho de uvas numa latada[1].
Quis pegá-lo, mas não conseguiu. Ao se afastar, disse para si mesma:
-Estão verdes.
O Homem que culpa a circunstâncias fracassa e não vê que o incapaz é ele mesmo

*tradução de Antônio Carlos Viana
[1] Grade de ripas, varas ou canas, na qual se apoiam trepadeiras, parreiras etc.

Faroleando o fabular:

Apesar das sutis diferenças de estilo, a fábula permanece inalterada em sua essência, a qual aparece caracterizada numa das formas mais recorrentes nesse tipo de narrativa. É aquela essência que repousa na maioria das vezes sob os andrajos que cobrem "as fraquezas humanas e suas questões mais vis".

segunda-feira, 14 de junho de 2010

1001 momentos das narrativas das 1001 noites

Segundo Ricardo Piglia, o autor de escrita oracular Jorge Luis Borges nunca mostrou muito interesse por mestres do romance, tais como Marcel Proust e Thomas Mann. Borges acreditava que o romance sendo alheio às formas orais não podia ser considerado como narrativa. Para o autor a arte de narrar estaria totalmente atrelada a ouvir um relato que se possa escrever e escrever um relato que se possa contar em voz alta.
Sua paixão pelas narrativas das mil e uma noites era notória, tanto que em 1977 Borges proferiu uma série de sete conferências no Teatro Coliseo de Buenos Aires, dedicando a terceira delas as Mil e Uma Noites. É fácil entender tal romance de Borges com tais narrativas, pois, ainda estou nas primeiras páginas e já estou completamente absorvido e enamorado pelas astúcias e peripécias narradas nesse livro maravilhoso, de temas tão variados e pertinentes.
Sexo, poder e honra como tríade básica na sustentação dos pilares que constituem essa gigantesca obra.
Durante a leitura, surgiu a ideia de apresentar aqui no Farol 1001 momentos destas narrativas em pequenos trechos. Espero dessa forma compartilhar meu imenso prazer em ler obra tão especial , acessível e necessária.

A tradução é de Mamede Mustafa Jarouche, que finalmente proporcionou ao público brasileiro uma tradução direto do árabe, repleta de notas e informações complementares que enriquecem ainda mais esta fantástica obra. Abaixo há o link para uma entrevista que o autor cedeu a editora Globo em 2007, que foi responsável pela caprichada edição: Clique aqui


Trechinho da trigésima noite, na qual o carregador tenta persuadir as deliciosas 3 jovens e uma delas lhe responde:

"Preserva sempre o segredo:
a ninguém o confies,
pois quem confia o segredo já o perdeu.
Se em teu peito não cabe o teu segredo,
como poderia ele caber no peito de um outro?
".

A imagem acima é do Pinball das 1001 noites, pertencente empresa de jogos eletrônicos Williams.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Confabulando o fabular, Vol.2

Estive navegando pelo mar da web em busca de uma tradução decente de uma das fábulas de La Fontaine, mas fiquei à deriva. Por sorte encontrei um site de um professor da UERJ, onde havia não apenas a tradução de algumas fábulas de Fedro, como também as versões originais e vários "COMENTÁRIOS LINGÜÍSTICOS, LITERÁRIOS, FILOSÓFICOS E ESTILÍSTICOS", conforme apontava o cabeçalho do site.
Bem, de qualquer forma, a fábula de hoje é atribuída a Esopo, apesar de ter visto algumas fábulas no tal site sobre Fedro, que também são atribuídas a Esopo... É isso mesmo, como havia falado no post anterior, essas fábulas fazem parte da tradição oral, então...
Enfim, vou continuar com o Esopo e com a tradução do mesmo Antônio Carlos Viana para esse 2º volume de confabulando o fabular:

O Negro

Um homem comprou um negro achando que sua cor
era resultado da falta de cuidado do seu amo anterior
Levou-o para casa, e lá, entregando-lhe todo o sabão que tinha,
mandou-o tomar um banho para tentar clareá-lo.
Mas não conseguiu modificar-lhe a cor e o único resultado
de tanto trabalho foi fazer o negro ficar doente.
Assim nascemos, assim ficamos.


Faroleando o fabular:

R.I.P. Michael

quarta-feira, 9 de junho de 2010

"Pelas Caridade!!!"

O fluxograma, grade curricular ou ainda a estrutura curricular de minha graduação não mais existe, fiz parte de uma das últimas turmas com habilitação dupla (língua portuguesa e língua inglesa) do CCHLA da UFPB. Isso significou ter de passar 2 vezes pelo bendito estágio supervisionado. O de Língua Inglesa foi light e mais contemplativo. Já o de língua portuguesa demandava assumir a turma por um determinado período. Resolvi encarar numa boa e dedicar o último semestre do curso apenas para esse tal estágio. Foi a melhor decisão, pude me dedicar completamente e viver a experiência de forma completa.
O estágio ocorreu no IEP, aquela escola que fica ali na Camilo de Holanda, junto de várias outras, inclusive do Lyceu. Entre outras coisas, descobri que ela já tem mais de 100 anos. Como gosto do centro da cidade à tarde, foi a escolha obvia.
Turma e professora me receberam muito bem, mas devido a problemas com professores de Língua Portuguesa durante quase todo o ano, o conteúdo estava atrasado, e tive que adequar minha proposta que seria voltada à literatura e produção textual, às necessidades básicas da turma, que implorava por uma revisão de gramática (Oh my god!).
Como estávamos no final do ano, era o momento de concursos e vestibulares da vida. Numa das primeiras aulas uma aluna trouxe a proposta de redação do ENEM que havia sido anulado por fraude. Tive imediatamente um insight para trabalhar produção de texto e ainda usar um filme para sair da rotina. O tema girava em torno do idoso, como havia acabado de assistir o clássico do Neo-realismo italiano Umberto D, dirigido por Vittorio De Sica.
Comentei com a professora se tínhamos como viabilizar a idéia. Nas aulas seguintes sofremos um pouco para conseguir a TV e o DVD, mas tudo se arranjou e exibimos o filme. É no mínimo curioso ver a recepção de um filme (legendado) que não se encaixa no circuito dos blockbusters e que ainda foi fotografado em preto e branco.
Minha atividade consistia na produção textual de uma resenha crítica, já que outra professora havia solicitado uma resenha desse tipo para um dos eventos que havia ocorrido por lá. Na aula seguinte discutimos o filme e a recepção foi bem interessante para o que eu tinha em mente, uns gostaram, outros não. então pedi para expressarem seus motivos. Pronto... Estava ai o mote para a construção da tal resenha crítica e de minha aula.

(porque, por que, porquê ou por que?)

Não, eu não esqueci o título "esquisito" desse post. É que esse título ai se tornou algo engraçado na sala, pois num dos momentos de reiteração de algo que estava exemplificando ou solicitando um pouco de silêncio, que isso ai saiu bem espontâneo esse tal de "Pelas Caridade" sem concordância mesmo, pois onde eu vi, estava escrito assim.
Estava eu passando ali em frente ao Mangai e me deparei com esse aviso "desesperado" entre as réplicas em tamanho natural de duas reses:
"PELAS CARIDADE, NÃO SUBA NOS BOIS"
Isso ai ficou no meu inconsciente e saiu naturalmente na aula, (só a primeira parte... PELAS CARIDADE). É obvio que isso foi ouvido e gravado pelos alunos, ai já viu não?
Foi depois de receber as resenhas que tive vontade pela primeira vez de retomar as atividades de faroleiro, prometi que publicaria a melhor resenha por aqui. Com um pouco de atraso, confesso, mas no próximo post ela sai!
Dedico esse post a meus primeiros alunos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Confabulando o fabular

As fábulas de Esopo forneceram inspiração para escritores como Fedro e La Fontaine, que chegou a escrever um texto biográfico sobre o narrador grego. Tu, meu caro leitor, poderá reconhecer essas fábulas nos mais diversos recônditos, como por exemplo, numa música do Reginaldo Rossi, como é o caso d' A Raposa e as Uvas.

Consta em seus parcos dados biográficos que foi um escravo libertado de aparência estranha (ele era corcunda) e que viveu no século VI a. C. Seu último senhor se chamava Xanto. Esopo era um grande mestre nos domínios da arte de narrar. As estórias que lhe são atribuídas modelaram as bases da fábula como gênero literário.
Nessas estorietas os protagonistas eram em sua maioria animais, mas homens e deuses também eram retratados em algumas das narrativas. O final das estórias sempre reserva um caráter moral, educativo.
É bom lembrar que essas narrativas fazem parte da tradição oral, ou seja, não foi Esopo que as reuniu e escreveu. Vou tentar postar pelo menos uma de suas fábulas por semana aqui no Farol. A dessa semana é:

O Morcego e as Doninhas*

Um morcego havia caído no chão.
Veio uma doninha e o capturou.
Já ia matá-lo quando o morcego implorou:
-Deixa-me viver.
-Impossível -respondeu a doninha-, pois sou inimiga de todos os pássaros desde que nasci
-Eu não sou um pássaro disse o outro.
E a Doninha o deixou ir embora.
Pouco depois o morcego caiu de novo e foi pego por outra doninha.
-Não me comas -suplicou
A doninha disse:
Detesto ratos.
O morcego falou:
-Não sou um rato, sou um morcego.
Mais uma vez conseguiu se salvar.
Assim, mudando duas vezes de nome, escapou da morte. A cada perigo, uma nova feição.

*Existem diversas versões dessa fábula por ai, optei pela ótima tradução de Antônio Carlos Viana
editada pela L&PM na versão pocket. Essas edições de bolso da L&PM são as melhores nesse segmento e podem ser encontradas em diversos pontos de venda, tais como bancas de jornal e supermercados.


Faroleando o fabular:
Me parece que as doninhas o que tem "fofinhas" tem de "burrinhas". Ou então, como bem observou o primo Ariete A.K.A. Celobar:
"Rapaz, quem é meio cego é o morcego, mas acho que nessa fábula ai, as doninhas é que não enxergam muito bem."

A doninha acima é da raça black-footed (nigripes do Mustela). A imagem está hospedada no site North American Mammals.